Foto: Acervo pessoal | Frase do rapper Emicida reproduzida no documentário "AmarElo" (Netflix).

Hoje, há quase um ano vivendo de perto esse caos que meses antes chegou por aqui na Terra, tive um daqueles baixos dentre tantos altos que persisto em viver apesar de tudo. Aqueles baixos em que o meu quarto, que geralmente é confortável e me abriga bem, começou a parecer pequeno - o teto mais baixo, as paredes mais estreitas, um calor inexplicável e a necessidade de sair daqui.

Não, não sair para qualquer lugar. Não obstante tanto tempo, ainda me reservo no direito de ser um pouco exigente. Eu queria ver gente. Queria ver gente andando, falando, rindo alto de uma maneira que não fosse por meio de uma tela. Queria não ser interrompida por uma conexão ruim. Queria não ter que encarar a frieza das mensagens por WhatsApp.

Sei que não é à toa que o momento roubou o nosso riso e tirou o brilho dos nossos olhos. São pessoas partindo todos os dias. Milhares delas. Todos os dias. E estamos, mais do que nunca, nas mãos de um maluco genocida. É demais querer que alguém esteja sorrindo nesse momento. 

Mas a saudade é inevitável. Uma saudade que não vem com data de validade, porque sequer imaginamos quando sairemos disso. Assim, vamos vivendo dia após dia, esperando o momento em que poderemos passar pela porta e reviver a liberdade. E me dirijo até mesmo àqueles que estão preferindo se expor e se colocar em risco, porque, cá entre nós, isso não é a verdadeira liberdade. Mesmo que em graus diferentes, essa onda caótica atinge a todos nós e me dói saber que alguns não se importam com isso. Desses, também sentirei certa saudade.

Digo isso porque, sim, essas pessoas já não podem estar mais aqui (nesse lugar que criei para proteger os meus). Sendo bem sincera, não sei até que ponto essa situação toda vai nos ensinar em termos de humanidade. Admiro quem consiga ser tão esperançoso assim. Mas é fato que me ensinou muito sobre quem eu quero comigo e sobre quem se mostrou egoísta, mesquinho e ignorante. Vou sentir saudade da ideia que eu tinha antes sobre essas pessoas.

A saudade de agora, como eu ia dizendo, não se direciona completamente a indivíduos específicos. Ela me fala sobre aquele tempo em que eu ia para a faculdade em um ônibus lotado, sozinha com o céu cheio de nuvens que é a minha cabeça com tanto pensamento atropelado. Saudade de tomar café com meus amigos na barraquinha que fica na esquina da faculdade. Saudade de encontrar minhas amigas da escola e recontar as mesmas histórias que lembramos sempre que estamos juntas - e rimos da mesma maneira. Saudade de fazer planos com data de realização, sabe? Coisas concretas. É isso. Tudo hoje parece que está flutuando na nossa frente. Uma onda de incertezas com a qual não sei lidar e me inunda todos os dias.

Tem uma frase dita pelo Emicida que me toca sempre que essa saudade me invade, sempre que penso como antes o abraço era fácil, sempre que me dói pensar em todas as vidas perdidas. "É no encontro que a nossa existência faz sentido". Como, então, encontrar sentido nesses tempos de tantos desencontros? 

Se o abraço falta, se o toque não é permitido, se existem tantas barreiras nos impedindo de viver - e tantas coisas nos ameaçando de perder a vida... Eu só espero que possamos continuar cuidando dos nossos, mesmo que aos trancos e barrancos. Lamentando a perda de muitos, torcendo para que não hajam tantas a mais. Estou morrendo de medo, sabe? Mas tentando lembrar da frase do Emicida para que, quando puder encontrar todo mundo, as coisas voltem a fazer sentido.



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