(via Pinterest)
Quando
disseram que você não era capaz porque era apenas uma menina. Quando disseram
que você não podia brincar com carros e bola, pois era frágil e se machucaria.
Quando reclamaram que você não estava usando brincos e toda menina usa. Quando
brigaram com você por ter falado uma palavra “feia” e não disseram nada quando
seu irmão disse a mesma coisa (e ainda pior!). Quando compraram sua primeira sandália alta e você,
mesmo sem gostar, usava, porque te disseram que meninas fazem isso, obedecem.
Quando te deram de presente acessórios de cozinha de brinquedo, como
panelinhas, pratos e vinha até com uma pia, mas a sua relação com a cozinha era mais sobre você poder comer tudo o que tivesse vontade.
Quando
seu pai disse que você só namoraria aos 18 anos, mas encorajava seu irmão a
beijar as “menininhas” da escola. Quando sua mãe falou para você usar mais
vestidos, porque precisava parecer mais “mocinha”. Quando você tinha a primeira
festa de 15 anos para ir e quiseram alisar seu cabelo – doía, mas você ouviu
que “para ser bonita, precisa sofrer” e se contentou com aqueles puxões e
deixou que queimassem seus cachos. Quando você começou a desenvolver seu corpo
e tinha vergonha de mostra-lo porque alguém disse que você já tinha o corpo de
uma mulher formada. Quando disseram que você precisava fazer academia, para ter
a cintura de Barbie – mesmo que ninguém tenha perguntado se você queria a tal
cintura.
Quando
você surtou porque seu irmão podia ir para a festa, mesmo sendo mais novo que
você, e você não pôde porque alegaram que não é coisa de menina. E quando
disseram, depois desse surto, que você não arranjaria namorado nenhum com
aquelas crises.
Quando
você teve o seu primeiro beijo e o menino espalhou para a escola inteira que
você deixou que ele tocasse em você, mesmo que fosse mentira, e todos
julgaram-na de puta – mas ele foi vangloriado. Quando você começou a namorar e
o cara era ciumento, possessivo, não queria nem que você tivesse o contato de
amigos homens no telefone e você não percebeu, mas ele falava mal das suas amigas para que
você não acreditasse nelas quando elas dissessem que esse relacionamento era
péssimo para você.
Quando
seu pai traiu sua mãe e todos na família disseram que ela devia ter "segurado" ele melhor. Quando você e seu namorado tiveram a primeira vez de vocês e ele
achou que você tinha amado, mas na verdade, ele tinha te tratado como um mero
objeto. Quando você descobriu que ele não te amava, só queria sexo e sumir na manhã seguinte.
Quando
você foi chamada de puta mais uma vez, mas pelo seu pai, que descobriu que você
transou antes do casamento, debaixo do teto dele, mesmo que o seu bendito irmão
levasse uma menina nova toda semana para casa.
Foram
todas as vezes em que você se moldou, se sacrificou e foi apedrejada por ser
mulher. Foram as vezes em que tentaram jogar em você padrões e tradições que
criaram para nos controlar, nos deixar de fora desta coisa toda de comandar o
mundo. Acontece que você pôde perceber, depois, que você nunca precisou ter a
cintura de Barbie, que você tinha mais caráter do que o seu irmão, que sua mãe
merecia ser tratada como toda mulher merece, que você queria ter prazer ao fazer sexo, que queria
estar em um relacionamento e se sentir livre e respeitada (o mínimo, é claro), e que seu corpo, assim como a sua mente – o que, depois, também vimos
que são uma coisa só – merecem ser contemplados, valorizados, preservados como
preciosidades.
Você jogou
fora todas as saias que tinha no armário, parou de usar brincos e engordou
alguns quilos. Abriu mão dos números. Conheceu pessoas legais, que só te
chamavam de “amor” e coisas assim. Arranjou vários namorados e namoradas, mesmo
que ainda surtasse vez ou outra. Machucou os joelhos várias vezes quando
descobriu que amava jogar futebol, mas caía sempre, pois nunca deixou de ser
desastrada e aquilo já não era mais um problema. Abraçou mais as causas de suas
amigas e de outras mulheres, entendendo que todas elas, em algum momento da
vida, sofreram e sofreriam de pressões sociais pelo simples fato de serem mulheres; e
muitas vezes, não podem nadar contra a maré, como você fez. Nunca mais
deixou que encostassem uma prancha no seu cabelo, os cachos pareciam ser uma
metáfora sobre a sua vontade (e o cumprimento dela) de ser livre.
Você ainda tinha várias questões consigo mesma, inseguranças e paranoias que seriam difíceis de cicatrizar e renderiam longas sessões com o seu terapeuta. Mas foi quando você se soltou das algemas que te prendiam em um ideal de mulher perfeita, depois de muita luta e muita dor, que você se tornou a mulher mais feliz e a única dona do seu mundo.