Eu quase deixei meu verdadeiro eu escondido.

Sempre me pareceu impossível gostar de quem eu via no espelho. Gostar daquelas estrias, dos quadris largos, os braços maiores do que eu gostaria que eles fossem. Mesmo na infância, quando essas coisas deviam importar muito menos - praticamente reduzidas a nada. Mas eu me importava. Importava-me com cada centímetro meu que não cabia naquela roupa que eu queria mais que tudo usar, mas que foi produzida para qualquer meninazinha mais padronizada nos quesitos de corpo perfeito para os olhos dos outros. 
Importava-me com os biquínis que eu tanto odiava, dando preferência aos maiôs que sempre eram relacionados a gente gorda. É, gente gorda, é como minha mãe dizia. Gente gorda não tem boa saúde. Gente gorda não tem qualidade de vida. Gente gorda não arranja ninguém pra casar. E, ainda: gente gorda só conhece gente gorda. Parece que ela tinha gosto de dizer essas duas palavras com escárnio. Tinha gosto de me dizer, dentro daquelas palavras, que eu viveria para sempre sozinha, mal amada, infeliz, sem sucesso nem profissional, quanto mais pessoal. A Maria Clara de 15 anos não sabia se conseguiria sair daquela situação, daquele fundo do poço, sozinha.
Fui crescendo e coisas foram até piorando. Eu não conseguia me aceitar. Não conseguia gostar de outras pessoas sem me gostar, entrar em uma faculdade por achar que era incapaz, desistir de fazer muitas coisas, usar outras e até sentir diversas delas por medo daquilo não ser pra mim. Eu diminuí a mim mesma para caber no mundo dos outros. Entrei pra academia, fiz dietas alimentares, até o meu chocolate favorito eu cortei. Aquilo me colocou em uma situação de exclusão social e não-aceitação ainda maior. Foi quando eu comecei a ler mais. Eu comecei a conversar com pessoas que passavam pela mesma que eu e, pasmem, existem várias! Em todos os cantos, gordas, magras, negras, albinas, ruivas e, claro, principalmente mulheres, que não conseguem gostar de si mesmas porque um dia alguém lhes disse que "você seria mais bonita se...".
Os fantasmas do passado me perseguiram até a vida adulta. Mas percebi sozinha que autoestima não se relaciona somente com as coisas que eu via, com a beleza ou aparência. Relaciona-se diretamente com o sentir-se ou não capaz de atingir seus objetivos, com o poder de levantar-se da cama todos os dias e dizer a si mesmo "hoje eu consigo". Dentre todas as coisas que eu tive que passar por cima pra chegar de cabeça erguida aonde estou agora, a principal foi saber desapegar do que me fazia mal. Talvez não tão de cabeça erguida assim; cheia de cicatrizes e traumas que vez ou outra ainda tendem a acabar comigo, mas percebo que sem isso eu não seria eu de hoje.
Todos os dias, agora, são motivos novos para tentar. Ainda gorda, ainda machucada, mas muito mais forte do que há 10 anos atrás. Muito mais Maria Clara. De osso e de aço. De carne - muita carne -, tão humana quanto todo mundo. Elogios não são mal-vindos, mas depreciações nem batem à porta. Sinto-me bonita, capaz. Sinto-me uma grande mulher, da forma que eu gostaria que todas as Marias-mulheres pudessem se sentir também. Não há nada no mundo que mexa com seu coração que o seu amor próprio não possa superar.

N/A: Esta Maria foi mais sucinta porque é um assunto muito difícil pra mim. Eu ainda tentei assumir a personagem, dar um "final" melhor para ela, mas ainda é complicado desenvolver quando você não sabe a maneira certa de expressar os mesmos sentimentos. E o motivo para fazer a publicação é que ela acaba sendo um prelúdio para assuntos dos quais eu pretendo falar mais por aqui. As letras do título e da frase pré-texto são de Who You Are, Jessie J. Ouvia enquanto escrevia, achei cabível. Até a próxima, Marias.


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