Você é até legal, mas eu gosto mais de mim.


Eu sabia, no instante em que olhei para o seu rostinho ordinário, que eu não era e não sou o tipo de mulher para você. Sabia que, daquele jogo todo ao qual você me condicionou, eu só conseguiria sair de uma forma: perdendo. Mas mesmo assim, nós jogamos. All in. Eu nunca tive medo das consequências porque, ao contrário do que eu pensava em outras épocas, eu adorava jogar. Eu adorava provar para você como eu podia ser inalcançável e, nós dois, inevitáveis. Tivemos momentos em que eu só queria matar você; outros, até quase te disse um "eu te amo" enviesado. Eu quase cheguei a pensar em querer qualquer coisa a mais, quase cheguei a acreditar que você me sorria diferente de todas as outras maneiras. Eu quase achei que sabia como você pensava e que você também conseguia me ler. Quase pensei em te desafiar a passar uma tarde inteira só conversando, sem trocar um beijo sequer, por pensar que éramos bons em outras coisas, fora o carnal. Eu quase esqueci que era  um jogo quando você precisou me chorar seus problemas, mas só para mim isso foi especial. E diante de todos esses "quases", o último: eu quase esqueci que não éramos nada além de jogadores.
Mas não, meu bem, eu não esqueci. Nenhum quase desse chegou ao fim. Você sempre foi uma dúvida e, enquanto era divertido, eu amava aquilo. Aquilo, não você. Eu amava como nós éramos, sem regras predeterminadas, sem contratos, sem amarras e sem a obrigação do amor. E, no fim das contas, você também era engraçado, não havia um dia com você em que eu não risse, por menor motivo que fosse. Eu achava que a boa companhia me bastava para o jogo ser interessante.
Meu bem, eu nunca me deixei amar você. Eu nunca, nem mesmo, deixei você me amar. Você lembra, não lembra? Todas aquelas vezes em que eu te disse para manter uma distância segura, talvez você pensasse que eu me preocupava demais com você, mas a verdade é que eu não queria me machucar. E foi então que eu decidi ir embora; no dia em que você não apareceu no local e na hora marcada e eu voltei para casa chorando. Não havia sido a primeira vez, mas naquela, eu percebi como eu me importava e foi aí que eu chorei mais, mas de raiva de mim mesma por chorar por alguém como você, que ainda estava no jogo quando eu já tinha jogado minhas cartas fora, mesmo que contra a minha vontade.
E sabe por que eu sei que nunca te amei? Eu teria lutado se sentisse amor. Eu teria chorado por mais noites, além daquela. Talvez eu deva ficar feliz pelo choro daquele dia. Foi com ele que eu vi onde estava me metendo e antes mesmo de me deixar afundar, eu fui embora. E indo embora, lembrei do que você disse, perguntando o porquê de não podermos mais jogar, desesperado por perder uma jogadora como eu, que aceitava as suas regras, tantas que eu nem sabia que tinha. Você queria saber até porque não podíamos simplesmente parar de jogar e tentar outra coisa. Mas sabe de uma coisa, meu bem? Eu não poderia te agradar. Eu não sou esse tipo de mulher.

Acho que nunca escrevi em um tom parecido com esse texto, mas a música "Sola", da Jessie Reyez, começou a tocar em uma playlist aleatória e saiu estas palavras. Na verdade, talvez não seja este o sentido que a música queria espelhar, mas era isso o que eu queria colocar no texto. O tema não tem a ver com traçar uma comparativo entre "tipos de mulher", mas com as expectativas que um cara pode colocar em uma mulher e, no fim das contas, ela apenas querer participar daquele jogo. Imaginei uma mulher autônoma, madura emocionalmente, e saiu isso. A ilustração é do Felipe Cardoso (@felipedocha).

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