"Só queria estar com alguém que me permitisse descobrir quem eu queria ser. Que me visse e me aceitasse do mesmo jeito. Mas aquilo nunca ia acontecer. Porque eu era invisível." (Capítulo 14)

Dos vários e-books que adquiri nestes dias de quarentena, este livro estava guardadinho no Kindle e nos últimos três dias estive envolvida em sua história. Ponderei muito se falaria sobre, por ser um assunto muito delicado. Desde já, alerto que o livro pode ser um gatilho para pessoas sensíveis a automutilação e suicídio. Se você precisa de ajuda ou conhece alguém que precise, que tenha pensamentos suicidas ou cogite a automutilação, peça ajuda de uma pessoa querida ou entre em contato com serviços de apoio. Sempre terá alguém para te ouvir. Você pode ligar para a ONG CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo número 188 ou conversar por chat, pessoalmente ou por e-mail - cvv.org.br/quero-conversar/

Céu Sem Estrelas

Autora: Iris Figueiredo
Editora: Seguinte
Ano de publicação: 2018
Número de páginas: 304
Narração: 1ª pessoa

Sinopse: Um romance sensível e envolvente sobre autoestima, família e saúde mental.
Cecília acabou de completar dezoito anos, mas sua vida está longe de entrar nos trilhos. Depois de perder seu primeiro emprego e de ter uma briga terrível com a mãe, a garota decide ir passar uns tempos na casa da melhor amiga, Iasmin. Lá, se aproxima de Bernardo, o irmão mais velho de Iasmin, e logo os dois começam um relacionamento. Apesar de estar encantado por Cecília, Bernardo esconde seus próprios traumas e ressentimentos, e terá de descobrir se finalmente está pronto para se comprometer. Cecília, por sua vez, precisará lidar com uma série de inseguranças em relação ao corpo - e com a instabilidade de sua própria mente.

Este livro começa com vantagem comigo porque eu adoro livros ambientados no Brasil. Adoro não precisar pesquisar o que é uma universidade Ivy League, nem entender a geografia de estados estadunidenses. A história de Céu Sem Estrelas se passa entre Niterói e São Gonçalo, cidades vizinhas do Rio de Janeiro, e os personagens estudam na Universidade Federal Fluminense. E, embora não more no Rio e não tenha tanta familiaridade, só o fato de entender melhor o ambiente da história já me deixou satisfeita.
Cecília é uma mulher fora dos padrões estéticos. Ela é gorda e tem os cabelos cacheados, o que já é um pacote completo para o processo de construção da autoestima e autoaceitação seja mais difícil do que o de outras pessoas que atendem aos padrões. Desde já, tive uma identificação com ela nesses aspectos e eu garanto como são aspectos complexos para uma garota jovem como ela. Não bastando isso, ainda tem a mãe, que piora e muito as coisas, e as frequentes crises de pânico que Cecília vem vivenciando. O resultado é uma pessoa entrando na fase adulta extremamente insegura, repleta de questões consigo mesma e com as pessoas ao seu redor.
"Eu não me sentia à vontade na minha própria pele." (Capítulo 18)
Do outro lado, Bernardo é o irmão mais velho de Iasmin, a melhor amiga de Cecília, e por quem a nossa protagonista nutre um certo interesse já há algum tempo - de cara, percebemos que, de certa forma, é um interesse recíproco. Bernardo estuda Engenharia Mecânica na UFF, um garoto meio nerd, aparentemente cansado da vida de festas e bebidas que levava um tempo atrás e que ainda fazia parte do cotidiano de alguns dos seus amigos. Bernardo e Iasmin levam uma vida muito tranquila, com certo luxo, uma vez que os pais têm muitas condições, diferente da vida de Cecília. 
"Não existe um céu sem estrelas, Cecília. Mesmo quando estão cobertas pelas nuvens, ainda estão lá. A gente só não consegue enxergar." (Capítulo 56)
Quando ela e a mãe têm a pior das brigas até então, ela é expulsa de casa e a família da melhor amiga oferece abrigo a ela, o que permite a aproximação de Cecília e Bernardo. E, embora gostem um do outro, acabam se afastando e Cecília vai morar com a avó, o que ela não queria, a princípio, mas nos permite conhecer um pouco mais da figura materna principal na vida de Cecília. Foi um outro momento em que me senti dentro da história - eu não tenho problemas com minha mãe como a menina tem, mas a minha proximidade com minha avó pode ser lida como a da história. Graças à avó, Cecília tomou gosto pela leitura e até mesmo entrou na faculdade. Também foi por causa dela que Cecília começou a desenhar, outro hobby que acaba se estendendo para a sua vida profissional.
E além da avó, Cecília também tem sua prima e algumas amigas que são, de fato, a sua rede de apoio. Não são dezenas de pessoas, mas o suficiente para que ela pudesse perceber que não está sozinha. Acontece que não é isso o que ela sente. Na verdade, a sensação é o oposto - sente-se sempre sozinha, ou mesmo quando com alguém, a iminência de que será abandonada a qualquer momento. Pode ser um trauma do pai que nunca conheceu, da adolescência que não foi marcada pela popularidade, pelo fracasso da relação com a mãe... Cecília é sucumbida pela solidão, pelo medo do abandono. Um sentimento que toma conta de si, ela não consegue sequer controlá-lo e acaba recorrendo à dor que ela pode controlar quando começa e quando termina, que ela sabe exatamente o que causa e acredita que pode conter.
"A falta de ar, de controle e a pressão no peito eram desoladoras. Eu perdia a noção do tempo e do espaço, não sabia quando aquilo ia parar, se é que ia. Era como me afogar em águas rasas, sem perceber que podia simplesmente colocar os pés no chão." (Capítulo 6)
Diante de tantas instabilidades, achei muito delicada a escolha da autora de não colocar um final em que todas as coisas são resolvidas com rapidez e exatidão, até porque não é bem assim que a vida funciona. Li vários livros entre uma resenha e outra, mas não são todos os que me fazem querer escrever sobre. Céu Sem Estrelas me conquistou pela leveza e, não obstante, pela realidade das coisas. Tudo nesta vida é um processo. É demorado, uma lenta construção de nós mesmos. Mas, no final, faz valer a pena quando percebemos que há pessoas por nós, que a nossa solidão às vezes foi apenas imaginada por nós mesmos e é tudo bem também ser sozinho às vezes. 
"O amor é paciente. Ele é feito de respeito e apoio mútuos. Ainda tenho medo do abandono, mas procuro pensar todos os dias que aqueles que importam estarão sempre comigo. Que uns chegam e outros vão, mas que não posso aceitar menos do que eu mereço." (Epílogo)
Contudo, não esquecer que há outros por nós e, sobretudo, entender a nossa própria força. Além disso, nem tudo tem uma solução perfeita. Nem tudo sai como deveria ser para que fiquemos sempre satisfeitos. 
Eu queria muito que algumas outras questões tivessem sido resolvidas na história. Não sei se tem a ver com esses processos mais difíceis ou se ficou aberto para uma continuação... Mas, ainda assim, eu adorei o livro, poderia fazer um post só com as passagens que destaquei - e espero que vocês gostem também.
Cuidemos de nós e dos nossos! Ainda mais nestes tempos de pandemia, em estamos todos mais sensíveis e vulneráveis. Fiquem bem!

"Descobri que minha força sempre esteve dentro de mim - eu só não dava muita atenção a ela. E, sempre que vejo um fusca azul, lembro que dentro dele cabem pessoas o suficiente para me estender a mão se um dia eu precisar. Isso é força. (Epílogo)
 




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