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Antes de mais nada, é um livro necessário. Sim, ele é. Preciso dizer que não o amei, mas achei necessário falar sobre isso, o que eu senti lendo, toda a percepção que eu tive a respeito. Ah, gente, e olha... Essa capa é a coisa mais linda comparada à original, só a título de curiosidade. Vem pra mais uma resenha que eu tô lendo que nem louca nesse janeiro!

Os Dois Mundos de Astrid Jones

Autora: A. S. King
Editora: Gutenberg
Número de páginas: 288
Narração: 1ª pessoa
Título original: Ask The Passengers

O movimento é impossível... Até que ponto?

Sinopse

""O movimento é impossível." É o que Astrid Jones, 17 anos, aprendeu na sua aula de filosofia. E, vivendo na pequena cidade em que mora, ela começa a acreditar que isso é mesmo verdade. São sempre as mesmas pessoas, as mesmas fofocas, a mesma visão de mundo limitada, como se estivessem todos presos em uma caverna, nunca enxergando nada além. Nesse ambiente, ela não tem com quem desabafar suas angústias, e por isso deita-se em seu jardim, olha os aviões no céu, e expõe suas dúvidas mais secretas aos passageiros, já que eles nunca irão julgá-la. Em seu conflito solitário, ela se vê dividida entre dois mundos - um em que é livre para ser quem é de verdade e dar vazão ao que vai em seu íntimo, e outro em que precisa se enquadrar desconfortavelmente em convenções sociais."

Eu queria começar a resenha falando um pouco sobre a história, sobre como ela começa, mas o enredo tem uma lentidão, uma mansidão de acontecimentos, que eu posso acabar falando de algo que aconteceu no meio ao invés do início, por conta da mesmice. Eu demorei muito para ler o livro - e nem foi por causa da linguagem ou porque é longo; a forma como o livro me pareceu permanecer o mesmo por muito tempo me fez ficar estagnada em sua leitura. 
Astrid Jones é uma menina de 17 anos cuja família consiste em sua mãe, uma mulher que aparentemente é mente aberta, típica mulher de cidade grande, com aquele discursinho de "nada contra gays, até tenho amigos...", mas que tem um tratamento que ao meu ver é ridículo para com a filha mais velha; seu pai, que é um cara meio sem rumo, pau mandado da mulher, vez ou outra chapado demais para lidar com os problemas da família; e sua irmã mais nova, Ellis, que é jogadora de hóquei e queridinha de sua mãe. A família se mudou de Nova Iorque para Unity Valley e agora precisa lidar com todos os problemas de cidade pequena, incluindo principalmente a fofoca. Todo esse cenário é diversas vezes abordado pelo eu-lírico, que frisa muito a coisa toda, o que acabou tornando a leitura meio extensa demais. Haviam momentos que eu mesma conversava com Astrid; "tá, já entendi que essa galera é um porre... pula pra parte legal"
Mas, por outro lado, vi pontos importantíssimos neste livro que precisam ser debatidos, por isso me dei ao trabalho de falar sobre. Separei por tópicos para facilitar as coisas:

1. Aspectos bons

a) Temática diferente: Comparado aos livros que leio, este foi um dos únicos voltados para a temática LGBT. Não porque eu por escolha decido ler apenas romances heterossexuais - até parei pra pensar nisso, no tanto de livro que tem por aí com essa mesma temática, mas eu nunca tinha lido simplesmente porque eles não tinham espaço uns anos atrás e só agora estão conseguindo "aparecer"; e não vou mentir: adoro. Gostei da forma como a autora apresentou esse universo, que não deveria ser distinto de qualquer outro (acrescente muitas aspas aqui) "comum". Infelizmente ainda é um assunto muito cheio de tabu, em que as pessoas ainda depositam muito preconceito. Mas eu adorei esse lado, como são apresentadas as angústias, os medos. Astrid ainda está descobrindo a sua sexualidade, assim como ainda está se descobrindo no mundo, e foi interessante para mim saber de que forma ela soube lidar com tudo isso, com o contar para os pais e se assumir publicamente - outra coisa que eu acho que é um absurdo, pleno século XXI as pessoas terem que se assumirem gays; ninguém sai por aí se assumindo hétero, né? Mas isso é assunto para um outro post. 

"Começo a me ressentir. Você quer dizer que estamos no século XXI e esse cara é pago para ter conversas corretivas com alunos da escola sobre como eles não devem odiar os outros? Isso não é elementar? Não devia ser automático? Que tipo de espécie somos nós se precisamos de gente que venha falar sobre essa merda? E como, se somos idiotas assim, nós chegamos à lua e ajudamos a construir uma estação espacial?" (capítulo 39)

b) Referências filosóficas: A aula favorita de Astrid em seu último ano escolar é Filosofia, o que provoca uma série de citações a respeito de filósofos, além de teorias filosóficas, reflexões da própria personagem que transmite a nós os mesmos pensamentos, as mesmas angústias a respeito de nós mesmos. Também é interessante a forma como ela lida com as descobertas além do âmbito filosófico, mas sobre si mesma a partir disso. Ela até transforma Sócrates em seu herói, em um amigo imaginário, a quem ela até deu um primeiro nome - Frank Sócrates - e conversa com ele como se estivesse ali, presença física, à sua frente. Esse lado filosófico de Astrid também influencia na série de perguntas retóricas que ela faz em diversas partes do livro. Até me peguei tentando responder algumas delas.

"Então envio meu amor. É fácil como sempre é, e é duro também porque eu realmente não sei a resposta para esse mistério. Amor é algo que sempre estará disponível? Será sempre confinado e indigno de confiança como parece hoje? Tem o suficiente por aí? Estou desperdiçando o meu com estranhos?" (capítulo 35)

c) Astrid envia amor às pessoas: No início, isso ficou meio confuso pra mim, e acredito que fique para qualquer leitor, mas depois você entende como um diferencial da personagem. Ao longo do livro, Astrid nos apresenta o seu hábito de deitar-se para observar o céu, especificamente os aviões, e "mandar amor" aos passageiros. Sim, é exatamente isso. Ela se deita na mesa de piquenique no quintal de casa, vê um avião passando e diz: "para a mulher do assento 12A, eu te envio amor. Eu te amo, eu te amo" e a princípio você acha isso muito esquisito, mas confesso que depois de ler, eu me vi mandando amor para várias pessoas na rua. E só percebi agora o quanto isso soa estranho.

"Mas é bom amar uma coisa e não esperar nada em troca. É bom não haver discussão nem pressão alguma, ou qualquer boato de qualquer baboseira. É amor sem amarras. É o ideal." (capítulo 3)

Outro ponto da história, que eu ainda não sei no que ele reflete no livro em si, é que vez ou outra a narração de Astrid é interrompida por uma narração de um passageiro aleatório dentro de um avião que está passando ali, naquele momento. Na primeira vez em que aconteceu, eu não entendi absolutamente nada. Tive que pesquisar pra saber do que se tratava. E aparentemente, eles não influenciam em nada na história, exceto uma vez ou outra que o narrador dessas cenas nos aviões falam como se estivessem recebendo esse amor, o amor de Astrid, ou quando é o contrário, e ela recebe o amor deles. É uma parte bem louca da história, mas que pra mim acabou até soando um tanto quanto poético nas minhas tentativas de entender a finalidade disso.

2. Aspectos ruins

a) O tempo que os acontecimentos levam na história: Já mencionei antes e volto a falar sobre como as coisas são lentas neste livro. Sério. E agora que estou aqui falando sobre isso, penso que foi proposital da autora para representar a pacata Unity Valley. Mas ao longo do livro, diversas vezes eu simplesmente parei de ler porque a coisa não saía do canto. Era aquela mesmice de "você precisa contar aos seus pais", "vamos ao bar sábado", "filosofia e coisa e tal"... Pareço ser muito chata falando isso, mas realmente foi um ponto que muito me incomodou na história. Eu até conversei com outras pessoas sobre o livro e elas apontaram a mesma coisa. Apesar de saber que o foco da história é o processo de Astrid se assumir como homossexual e que isso pode ser complicado e lento para algumas pessoas, achei um tanto quanto demorado o desenrolar da história.
b) As cenas dos passageiros: Eu não achei um ponto ruim a questão literal da cenas nos aviões, é um dos diferenciais do livro. Contudo, a forma como foram inseridas no meio da história foi o que me incomodou. Não sei se foi só comigo, mas de início foi difícil entender o que aconteceu ali para de repente uma pessoa completamente diferente tomar a voz do eu-lírico. Além de que elas não têm ligação direta com a história, nem muito menos influenciam em nada.

"Talvez, se você pegar este amor, pode mantê-lo em segurança? // Olho para o avião e envio meu amor. Não se preocupe. Vou mantê-lo em segurança. Seja forte." (capítulo 44)

3. Nem bom, nem ruim

a) A mãe de Astrid: É peculiar. Não achei de um todo ruim, porque acredito que esta seja a realidade de muitas pessoas que vivem isto: uma mãe que não consegue te compreender, não te ouve, ignora totalmente a tua existência, e te cobra, liga para o que os outros acham, é um exemplo nato de hipocrisia. Por outro lado, também não achei completamente bom apresentá-la, porque a mulher é uma nojenta. De verdade. Em vários momentos eu quis entrar no livro e bater na cara dela - principalmente quando ela enaltece Ellis e parece esquecer completamente de que Astrid existe e também precisa de amor. Outro ponto em relação à mãe foi a forma como ela mudou do momento antes de Astrid assumir-se gay para o momento depois - e mudou para "melhor", ao meu ver. 

"Você e a mamãe não precisam pensar nisso também. Podem apenas ser o casal na cidade que tem uma filha gay (...) E se algum de vocês tem algum problema com isso, então o problema é de vocês. Ser gay já é duro o suficiente sem ter de se preocupar com sua família ser esquisita com isso." (capítulo 40)

b) O clima de cidade pequena: Esse também é um ponto meio como o anterior... Não é ruim porque eu tenho certeza de que existem cidades assim - onde você dorme com um pijama de cor diferente e no dia seguinte a cidade toda está sabendo - e a forma como ela foi retratada foi exatamente como eu penso sobre cidades assim. Mas também queria entrar no livro e bater na cara de todo mundo. As pessoas não conseguem simplesmente deixar as outras pessoas viverem a vida delas? A fofoca foi um ponto que me irritou bastante. Aquela irritaçãozinha que te faz ficar intrigado, sabe? Posso dizer de como gostei do jeito com que a autora o fez.
c) As incertezas em relação aos laços de Astrid com outras pessoas: Ao longo do livro, eu não sabia em quem confiar... Dirá Astrid. Acredito também que isso seja um reflexo da própria confusão que se passa na cabeça dela em todo esse momento crucial de sua vida, mas você não sabe se a qualquer momento a mãe dela vai surtar, ou se Ellis é uma boa pessoa, mas com a mente alienada, ou se o pai é realmente apenas um cara que usa maconha mas totalmente inofensivo ou tem alguma coisa por trás disso - dúvidas assim me ocorreram com praticamente todos os personagens. Passei o livro inteiro tentando desvendar não só os mistérios de Astrid, mas de todos os outros também.

De qualquer modo, eu o achei um livro necessário. Eu gosto da ideia de haver dois mundos: um em que ela tenta não colidir com o mundo da mãe, em que tudo parece ser perfeito aos olhos dos outros, e outro em que Astrid é ela mesma, a menina que se descobriu lésbica e que tem um dom para a Filosofia sem igual. Acredito que essa mistura de diversos assuntos dentro de uma história só foi o que configurou o tema dos dois mundos e a gente acaba se perdendo no limbo entre eles enquanto lê. Se você se interessa pela temática principal e não se importa com a lentidão com que os acontecimentos ocorrem, você irá adorar este livro e vai certamente sair por aí enviando amor para as pessoas, assim como eu, exatamente como eu estou fazendo agora. Estou lhe enviando amor porque você veio até aqui e porque você, acima de tudo, merece. 💖 Até a próxima!

"Como podemos dizer que ninguém é perfeito se não há perfeito a ser comparado? A perfeição implica em haver de fato um jeito certo e um errado de ser. E que tipo de perfeição é a melhor? Perfeição moral? Estética? Psicológica? Mental?" (capítulo 42) *A melhor citação. 


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